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quarta-feira, 16 de julho de 2008

No essencial, unidade; nas diferenças, liberdade; e em ambas as coisas, o amor


No essencial, unidade; nas diferenças, liberdade; e em ambas as coisas, o amor
Bráulia Ribeiro

Outro dia ouvi na rádio local um programa que imitava os crentes. Até demorou para que os humoristas achassem o filão de clichês ridículos do meio evangélico, que deve ser mesmo muito engraçado para os de fora. Poucos dias depois, um irmão veio me visitar e me mostrou os programas de “humor” que tinha produzido para o rádio. Não é que o programa que eu havia escutado, com todo o sarcasmo cruel anti-crente, era dele mesmo? Doeu-me, mas, infelizmente, não me surpreendeu tanto assim. Esta é a nossa postura mais comum. Um contra todos e todos contra um.

Peter Meiderlin, teólogo luterano da cidade de Augsburg, na Alemanha, escreveu, em 1627, um livrete, descrevendo um sonho em que Cristo lhe aparece pedindo que vigie pois será tentado. Logo depois o diabo, vestido de anjo de luz, aparece dizendo que vem da parte de Deus e começa a profetizar a respeito da necessidade de os eleitos se manterem puros na sã doutrina. A verdade que eles herdaram deve ser preservada numa nova denominação doutrinária, livre da contaminação de heresias. Quando o teólogo ora sobre o que deverá fazer, imediatamente o diabo some e Cristo reaparece, encorajando-o a permanecer fiel à simplicidade e humildade de coração. Ele acorda do sonho e escreve o tratado que termina com esta frase: “Si nos servaremus In necessariis Unitatem, In non-necessariis Libertatem, In utrisque Charitatem, optimo certe loco essent res nostrae” (No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; e em ambas as coisas, a caridade).

Parece-me que o cenário cristão da Europa do século 17 não é muito diferente do cristianismo de hoje. O diabo continua usando a mesma estratégia para impedir que a oração de Jesus por nós (João 17) seja respondida. Ele se especializou em nos manter afastados uns dos outros, em nome da própria verdade que deveria nos unir. Distanciamo-nos por causa da pureza doutrinária. Acreditamos que nosso “logos” é melhor que o dos outros, esquecendo que o logos é a encarnação do perdão e da humildade e a razão principal por que deveríamos buscar a unidade e não a exclusão. Rotulamos pastores, igrejas, correntes doutrinárias, grupos inteiros de cristãos, desprezando-nos mutuamente, com ironias e sarcasmo.

Apesar de termos certeza de que nossa doutrina é pura, esta pureza é muito difícil de ser definida. Na crença de certas culturas indígenas que categorizamos de animistas, se define vida humana pela “perfeição genética”. Qualquer tipo de “anomalia” — desde a concepção de gêmeos, até más-formações mais graves como síndrome de Down, paralisia cerebral etc. — contradiz a suposta “perfeição” que definiria o que é um “ser humano” real. Do alto de nosso conhecimento ocidental, criticamos estas crenças animistas. Uma criança gêmea não é encarnação do demônio só porque nasceu mais magrinha. A outra, deficiente, pode ser fonte de muita alegria para os pais, apesar de seus problemas. A vida humana é preciosa, não importa a forma. Ao comparar estas crenças e nossa definição de cristianismo, percebemos que somos teologicamente tão animistas quanto eles. Só consideramos cristãos aqueles que se encaixam em nossa definição do que seja uma doutrina perfeita e sadia. As anomalias podem ser desprezadas, abandonadas, e até cruelmente assassinadas por nossas palavras.


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